domingo, 26 de julho de 2009

Difícil? Que bom!

"A televisão me deixou burro, muito burro demais" - Arnaldo Antunes


Muitos estão cansados, esgotados e não suportam mais ver programas ruins na TV Aberta. Na Globo, líder da audiência, os mesmos apresentadores de sempre inovam muito pouco e as novelas estão cada vez piores: tramas fracas, superficiais, personagens ocos, diálogos ruins e mal interpretados. Num ato de desespero consequente da falta de criatividade, os autores e diretores apelam para os "atores de segurança", aqueles que interpretam qualquer papel e podem dar à novela um maior tom dramático ou humorístico.

Assim, nas últimas novelas tem sido comum ver Lília Cabral ou Tony Ramos, por exemplo, sendo usados para as chamadas "cenas de efeito": carente de argumentos, o roteiro cede espaço para o melodrama, que ocupa grande tempo de cena e se sustenta graças ao talento de atores que, colocados em primeiríssimo plano pelo diretor, facilmente nos fazem rir ou chorar. Tais acontecimentos muitas vezes não são significativos para a história e não encontram grande motivação artística. Mas o que isso interessa? Afinal, estamos no mundo das novelas e o modelo folhetinesco necessita de pontos no Ibope todos os dias, não se pode bobear.

Colocar Lília Cabral chorando ou Tony Ramos fazendo palhaçadas é fácil em todos os sentidos. Fácil para o autor, para o diretor, para os atores(os "de segurança", é claro) e o principal: FÁCIL PARA O PÚBLICO ENTENDER, SE EMOCIONAR E SE IDENTIFICAR, ou seja, AUDIÊNCIA!

No entanto, há de se questionar o mérito artístico. O que a novela tem a acrescentar? O que podemos aprender com ela ou, se argumentarem que não é preciso ensinar(e não é mesmo), o que ela traz de novo, de realmente interessante? Por que o mero entretenimento não pode ter mais qualidade?

Como não gosto de generalizações, digo que não são todos os autores que nos infernizam com novelas de péssima qualidade. Silvio de Abreu sabe criar ótimas tramas e é ótimo escritor de humor. Manoel Carlos sempre nos traz bons diálogos(diferentemente de melodramas baratos) e seus personagens são fortes. Mas creio serem exceções. Atualmente, o horário nobre da Globo é, em grande parte, ocupado pelo folclorismo podre de Glória Perez e derivados.

Tendo em vista toda essa lógica imperante nas grandes redes de televisão aberta do Brasil, devo imaginar o quão difícil é a aprovação de projetos ousados por parte dos diretores de programação e empresários.

MAS.............


como nem tudo está perdido, a própria Rede Globo nos surpreende às vezes. De vez em quando, surgem coisas como Hoje é dia de Maria, Capitu e, mais recentemente, Som & Fúria. Este último acabou na última sexta e seus 12 episódios trouxeram luz às trevas, exibindo uma produção impecável e um texto delicioso. Adivinha: sucesso de crítica e pouca audiência, mesmo destino já experimentado por Capitu e outras.

A Minissérie perdeu até para os filmes de Steven Seagal na Record, um verdadeiro fracasso de público. Provável motivo: " é difícil para as pessoas", diriam alguns.

Se Capitu, de Luiz Fernando Carvalho, "dificultava" pela estrutura e por uma opção dramatúrgica rebuscada e incomum na TV popular, Som & Fúria, adaptado de um texto canadense por Fernando Meirelles, "dificulta" pelo tema, teoricamente distante do "grande público": o cotidiano de uma Cia Teatral pública.

Então, logo vem os "cornetas do além" dizendo que a massa popular, o povão, não pode compreender uma arte mais complexa, sendo assim, os programas de TV deveriam se rebaixar se quiserem ter audiência.

PURA BOBAGEM!

O grande público tem dificuldade de acompanhar obras mais difíceis porque não está acostumado. Falta-lhe cultura. E não é tirando as oportunidades de assistir às séries de qualidade que o problema será resolvido.

Por isso, a Globo deve insistir, procurando dar espaço para produções independentes e novos talentos da dramaturgia.

Sim, isso pode ser muit utópico e muitos dirão : " A Globo e as outras grandes empresas televisivas não estão preocupadas com a falta de cultura do povo."

Discordo. Se isso fosse verdade, pessoas como Luiz Fernando Carvalho não teriam espaço.

Além disso, as novas tecnologias, como a internet, não param de segmentar o público. Preocupar-se apenas com o ibope, produzindo porcarias, fará com que as redes de TV percam parte do público mais intelectualizado, como já está acontecendo. Além disso, subestimar a capacidade do "povão" pode ser um erro, pois a audiência já provou ser um fenômeno cíclico, submetido a idas e voltas.

Num cenário como esse, é imprescindível possuir uma programação diversificada que atenda a vários gostos. Do contrário, aquele que não está satisfeito vai procurar o produto que deseja em outro lugar. E, com as opções de hoje, ele tem onde achar.




O bom elenco de Som & Fúria, acompanhado do diretor Fernando Meirelles. Um verdadeiro colírio em tempos de Glória Perez.




Os personagens Bentinho e Capitu, na minissérie adaptada do romance Dom Casmurro, de Machado de Assis, e dirigida pelo criativo Luiz Fernando Carvalho. Lindeza rara.



Abaixo, poesia já publicada aqui, de Maiakovski:




Incompreensíveis para as massas

Wladimir Maiakovski


Entre o autor e o público, posta-se o intermediário.

E o gosto do intermediário
é bastante intermédio, medíocre.

Medianeiros médios pululam nos meios, onde, galopando, teu pensamento chega.
Um deles considera tudo sonolento:
"Sou homem de outra têmpera! Perdão",
e repete um só refrão:
"O público não compreenderá".

Camponês, só viu um faz tempo, antes da guerra.
Operários, deu com dois, uma vez, numa ponte, vendo subir a água da enchente.

Mas diz que os conhece como a palma da mão.
Que sabe tudo o que querem!
Aqui vai meu aparte: chega de chuchotar bobagens para os pobres. Também eles, podem compreender a arte. Logo, que se eleve a cultura do povo!
Uma só, para todos.

3 comentários:

Sylvia disse...

Eu adorei "Som e Fúria". Ficava esperando ansiosa as noites em que passava na TV e fiquei triste porque terminou de tão bom que foi.

Agora estou gostando do "Decamerão , a comédia do sexo"Beijo

Mara disse...

A maioria das pessoas gosta de sentar em frente à TV apenas prá relaxar e não ter que pensar em nada.Muitas vezes acontece comigo.
Investir nos mesmos atores e fórmulas é garantia de audiência e retorno financeiro já que os anunciantes tem medo de se arriscar. É louvável insistir nas boas miniséries mas ainda acho que há muita "panelinha " na TV ,mesmo para as chamadas "novidades " são os mesmos atores e diretores , difícil aparecer caras novas .
Gostei de ver os "tiozinhos " da TV Cultura em Som E Fúria .

Cláudio disse...

É também uma oportunidade de aproveitar de verdade vários talentos que a Globo tem e desperdiça nas novelas - cada vez piores mesmo!