domingo, 27 de setembro de 2009

FUI!




Estou saindo do blogspot e o novo endereço do Uma Pitada a Mais é umapitadaamais.wordpress.com . Lá poderão encontrar a 4ª crônica da série Vou de Ônibus. Divirtam-se e nos vemos por lá!

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

AS AMARRAS IMPEDITIVAS - 2ª PARTE




Coincidências incríveis têm acontecido ultimamente. O último post gerou diversos comentários, que julguei muito construtivos. No domingo, fui ver UP, da Pixar, e me deparei com um filme repleto de referências à história do cinema, muitas das quais não reconheci por não ter visto os filmes. A obra da Pixar, já cotada por muitos como o melhor filme do ano até então, é o tipo de filmes para todas as idades, mas com qualidade inimaginável. Bem, o filme merecerá um post exclusivo mais tarde. Só quero salientar que o caráter polissêmico de UP é responsável por uma apreciação geral, independente da idade. Mesmo assim, não captei muitas das referências.

O outro fato incrivelmente relacionado ao post anterior foi a coluna de Marcelo Gleiser, no caderno Mais, da Folha de S. Paulo. Geralmente leio este caderno por último. Primeiro pelo fato de trazer pautas frias (matérias não necessariamente relacionadas ao que está acontecendo) e segundo por ter uma linguagem mais rebuscada e sofisticação dos temas.

Bem, chega de papo. Para acrescentar a tudo que já foi dito por mim e pelos ilustres visitantes desse blog no post abaixo, exponho, na íntegra, o texto de Marcelo Gleiser:


+Marcelo Gleiser

Ciência e liberdade


Nunca se deve aceitar algo só porque foi dito por uma autoridade


Já que esta coluna cai na véspera do dia da Independência, achei oportuno revisitar um tema que está sempre presente na vida da gente: a questão da liberdade. Claro que, nestas breves linhas, eu não teria a pretensão de apresentar muitos pensamentos profundos sobre o que significa ser livre. Convido apenas os leitores a uma reflexão, iluminados, como sempre, pela luz da ciência.

Quando era garoto, gostava muito de citar a seguinte frase: "Ser livre é poder escolher ao que se prender". Outra versão é: "Quanto mais chaves você carrega no bolso, menos livre você é". Não há dúvida de que a primeira é mais filosófica. (Acho que é atribuída, talvez erroneamente, ao filósofo francês Jean-Paul Sartre.) Mas ambas dizem algo de semelhante: que liberdade e escolha andam de mãos dadas.

Existem, certamente, situações em que isso não é verdade: pessoas "presas" não por terem cometido algum crime, mas por serem aprisionadas por alguma ideologia que lhes é imposta. Por exemplo, as crianças que nascem em famílias ultrarreligiosas nunca têm a opção de refletir sobre os valores que lhes são impostos. Mesmo sem carregar chaves, estão presas até crescerem o suficiente para poder (ou não) se rebelar. O mesmo ocorre com os indivíduos que vivem em regimes políticos totalitários, onde a "verdade" é controlada pelo Estado.

Ou seja, a frase "ser livre é poder escolher ao que se prender" pressupõe que o indivíduo tem a liberdade de escolha. Isso nem sempre é verdade. Para sermos livres, precisamos ter livre acesso à informação. Só assim teremos o privilégio de poder escolher ao que vamos nos prender.

Daí o papel fundamental da educação, contanto que livre de censuras ideológicas. Já em torno de 50 a.C., o poeta romano Lucrécio celebrava a importância da educação na liberdade das pessoas. Sua preocupação era com a excessiva superstição dos romanos, que atribuíam tudo o que ocorria à ação de algum deus. Consequentemente, a maioria da população vivia aterrorizada. Só aqueles que usam a razão para desvendar o porquê das coisas podem de fato ser livres, dizia.

Só quem reflete sobre as causas das coisas, em vez de atribuí-las cegamente a causas sobrenaturais, é livre dos medos que assombram a vida. A educação deve fornecer ao indivíduo a capacidade de reflexão crítica, a habilidade de saber fazer perguntas e não de aceitar passivamente tudo o que lhe é dito. Essa habilidade, esse ceticismo, é um dos aspectos mais cruciais do treinamento de um cientista. Nunca se deve aceitar algo só porque foi dito por uma autoridade.

Essa atitude é exatamente oposta ao que ocorre em culturas conservadoras e repressivas. Mesmo que a ciência busque uma ordem no mundo material, sua essência é anárquica. Os grandes revolucionários da ciência, Copérnico, Galileu, Kepler, Newton, Einstein, Bohr, foram todos anárquicos a seu modo. Todos defendiam a sua liberdade de pensamento acima de tudo, recusando-se (ou quase, no caso de Galileu, sob ameaça da Inquisição) a aceitar o saber das autoridades. Para eles, ser livre é ter a coragem de pensar por si mesmo sobre os grandes problemas, na tentativa de chegar a uma verdade aceita pela maioria.

Quando penso em liberdade, penso nesses nomes, e em tantos outros -cientistas ou não- que lutaram para que hoje possamos ter a visão de mundo que temos. Se hoje somos mais livres, devemos agradecer a eles. Se há tantos longe de ser livres, é porque ainda temos muito o que fazer.


MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do livro "A Harmonia do Mundo"


[ artigo publicado na Folha de S. Paulo de 06/09/2009, caderno Mais]

sábado, 5 de setembro de 2009

AS AMARRAS IMPEDITIVAS





Para compreender certas manifestações artísticas é preciso se desvencilhar das amarras


Nessa última semana, fui ver O Anticristo, novo filme de Lars Von Trier, diretor dinamarquês dos elogiados Dogville e Dançando no Escuro e criador do Dogma 95. O filme, polêmico desde a produção, está bem avaliado pela crítica especializada, mas, mesmo entre os mais politizados, tem causado certa repugnância por ser, dizem, pesado demais, apelativo e alguns acusam o diretor de ser sexista. De fato, são várias cenas “fortes”. Já era de se imaginar que, se a mão de Von Trier era pesada fazendo dramas políticos, no gênero terror uma acentuação de tal característica provavelmente iria ocorrer. E esse é o filme: câmera na mão, atuações profundas e cenas penetrantes.


Aviso que quem for assistir ao filme verá sexo explícito, aborto animal e automutilação. Devo crer que só a presença de um desses elementos já afastaria muita gente da sala de cinema. E caso muitos fossem ver, é fácil dizer que choveriam exclamações do tipo “Nossa, que horror!”, “Pra quê isso?”, “Olha, achei péssimo, como você me indica um filme desses?!“. Enfim, frases do tipo tia-avó descontextualizada. Na verdade, esse tipo de manifestação muitas vezes revela uma dificuldade de compreensão ou, talvez mais precisamente, uma dificuldade de aceitação para com o que é mostrado. E o grande problema é que, cada vez mais, percebe-se que “não entender é meio passo para não gostar”, o que é lamentável. Por que uma cena de sexo explícito tem que durar 11 minutos? Por que tem que mostrar o sangue? Existe isso? (essa é uma das piores).


Filmes como O Anticristo e tantos outros não são filmes fáceis. Costumam ser difíceis de digerir, densos e constantemente incomodam a plateia – no caso do gênero terror (e horror), um dos objetivos é justamente esse; incomodar. No entanto, incomodar mera e simplesmente dificilmente faz um grande filme ou uma grande ideia. Afinal, pra quê ir ao cinema simplesmente para se sentir mal? O “x” da questão é que quase sempre há um sentido para o incômodo. A arte muitas vezes representa pensamentos, acontecimentos, e estados de espírito de diversas formas: metaforização, hipérboles, analogias com o fantástico, sinédoques etc. Por que às vezes é difícil que elas sejam assimiladas? Porque muitas são extremas e destoam do que estamos acostumados a ver. Pronto, caímos na velha discussão sobre a dificuldade de entender o que é diferente.


Não conseguimos aceitar - e consequentemente entender- certas coisas porque estamos presos às amarras impeditivas.


Amarra é igual a “rabo preso”, que não existe apenas no mundo administrativo e político, mas também no campo intelectual ou ideológico. Ter uma filiação partidária é também um exemplo de amarra ideológica, por exemplo. Ser de outra época pode se tornar uma amarra caso a pessoa em questão não consiga abrir os olhos para os novos tempos. O fanatismo, o gosto por coisas determinadas, o desgosto pelo resto e o preconceito são outros exemplos. Qualquer tipo de ligação de caráter inabalável com algo, como ter uma religião ou uma crença inatingível, também é uma baita amarra.


Vejam, não estou dizendo que ninguém pode ser religioso, militante partidário ou gostar apenas de rock. Apenas exponho esses elementos para exemplificar a maneira como as pessoas são facilmente situadas num campo e se prendem a ele. Nesse sentido, tais elementos funcionam como “algemas”, impedindo que horizontes distintos se expandam. Situações do dia-a-dia servem de amostra: para um metaleiro, um cd classificado como forró é pior do que o classificado como Heavy Metal, mesmo sem que ele conheça ambos. Se eu pedir a um islâmico para que leia o livro de Richard Dawkins, é bem provável que ele me deseje os mármores do inferno só ao ler o título : Deus, um delírio.


Explicando melhor, não sou contra correntes, até porque estou preso a diversas delas. Sou, sim, contra correntes inquebráveis. Se nossa conexão com alguma coisa é impossível de ser desfeita, tendemos a tratar o oposto ou o diverso como o “errado”. Isso acontece frequentemente na nossa relação com a Arte, ao assistirmos, por exemplo, um filme que nos mostra coisas estranhas, longes do nosso universo, como é o caso de O Anticristo.
Exibo duas frases com significâncias extremamente relacionadas com o assunto:



"Uma pessoa para compreender tem de se transformar."
( Antoine De Saint Exupery )


"Temos de renunciar ao mundo para o compreender."
( Jean Grenier )




É isso. Para entender, temos que aceitar e para aceitar temos que nos desvencilhar de algumas amarras. Após esse processo, aí sim podemos exercer melhor o esperado julgamento do “gostei ou não gostei”. Do contrário, se estivermos sempre presos a algo, a aceitação inexiste, ou ocorre de forma forçada. Não reconhecendo e procurando entender o diferente, não se estabelece o diálogo. E sem diálogo não há produção de conhecimento.